Nós, da prensa, sempre adoramos listas e rankings. Por um motivo simples: esse tipo de teor é atrativo e viciante. Dá leitura, uma vez que se costumava expor –a sentença, atualizada, se tornou “gera audiência”.
No antanho analógico, o jornalista tirava a lista da própria cabeça ou consultava um pequeno número de especialistas para endossar as escolhas.
Eram, quase sempre, coisas banais e intuitivas: “Dez dicas para não dar vexame na sarau da firma”, “Os cinco melhores destinos para as férias de inverno” e por aí vai.
Ocorre que está cada vez mais geral a terceirização de listas e rankings publicados nos sites de notícias. Alguém na internet produz o tal teor, o negócio explosivo nas redes sociais, e a prensa profissional corre detrás para faturar cliques fáceis.
Tem aparecido com frequência, nas páginas relacionadas à gastronomia, um certo Tasteatlas. Trata-se de um site que se define uma vez que “uma enciclopédia de sabores”.
O Tasteatlas se notabiliza pelos rankings de melhores e piores comidas. A plataforma ranqueia tudo, de pratos e restaurantes até as culinárias do mundo.
Apesar de ter relativamente poucos seguidores (188 milénio no Instagram e 73 milénio no Twitter), o Tasteatlas culpa tretas infinitas nas redes e acaba repercutindo na prensa.
No final do ano pretérito, por exemplo, eles listaram as 95 melhores culinárias, sendo as cinco primeiras, em ordem decrescente: Itália, Grécia, Espanha, Japão e Índia.
Os seguidores brasileiros ficaram irritados com o indumento de que a nossa cozinha (12º lugar) ficou inferior da americana (8º).
Na mesma estação, a picanha apareceu na segunda colocação de um ranking de melhores pratos do mundo –detrás do kare raisu, o curry nipónico.
Depois desses dois episódios, o Tasteatlas virou nascente contumaz dos sites de notícia brasileiros. O queijo minas apareceu numa lista, a coxinha despontou em outra, e lá foi a prensa noticiar uma vez que se tivesse alguma relevância.
As listas do Tasteatlas têm uma opacidade incomum até para o velho oeste que é a internet. Para início de conversa, o site é anônimo: não há nome ou rosto humano qualquer a bancá-lo.
As comidas surgem em fichas que lembram cartas de jogo. O visitante, uma vez logado, pode avaliá-las com notas que vão de uma a cinco estrelas. O resultado é publicado sem nenhuma informação estatística suplementar.
Está evidente que países com maior número der acessos ao Tasteatlas terão notas maiores. Fica evidente que os rankings e listas dessa “enciclopédia” não têm valor jornalístico qualquer.
Ainda assim, os colegas jornalistas se apressam em reproduzir a informação de péssima qualidade –e acham que se eximem de responsabilidade ao alongar que se trata de uma eleição (o que é moca) de um site internacional (o que é um engodo).
Não é a picanha, não é a coxinha, não é o queijo da Canastra. É o jornalismo dando mau exemplo –enquanto posa de única salvação provável para a tsunami de desinformação que nos mantém submersos.
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