São Paulo
Histórias de família, imbróglios amorosos, traição em lua de mel e até tesão por um objeto de madeira são algumas das histórias narradas no podcast Não Inviabilize. Déia Freitas, o nome por trás da narração, garante que não tem uma história favorita e que curte mesmo aquelas cabeludas e pouco convencionais.
Mas, uma vez que o conduto para o envio é cândido, ela conta em entrevista ao F5 que já recebeu muitas mensagens polêmicas. A mão maçada para dar o play no gravador e narrar a história, mas a consciência pesa mais. “Algumas pessoas já mandaram histórias de delito, coisas que você fala ‘isso cá não dá’. Quando eu fico na incerteza, eu mando para o meu legista, aí ele fala: ‘Pelo paixão de Deus, não conta isso’.”
Mas relatar histórias dos outros não é novidade na vida de Déia. Aos 15 anos, a podcaster escrevia perfis para um jornal em Santo André, na região metropolitana de São Paulo, onde nasceu e cresceu. O trabalho variava entre ortografar memórias na seção de obituário ou ser cupido amoroso e preparar um par romântico para uma pessoa por meio de classificados amorosos.
“Para ortografar essas histórias, as pessoas iam pessoalmente ao jornal e eu as ajudava. Portanto tinha que conversar com elas um pouco, entender para aí ortografar. Não sei se juntei muitos casais ao longo do tempo, mas lembro que tinha um rapaz que sempre anunciava que estava procurando uma namorada. Aí sugeri que ele tirasse uma outra foto, mudasse o galanteio de cabelo, e ele nunca mais voltou”, relembra.
Apesar de atuar uma vez que podcaster e narradora de histórias, uma vez que ela mesma se define, Déia é psicóloga de formação, mas nunca exerceu a profissão. Durante a graduação, ela trabalhou em um missão na universidade para obter bolsa e, quando se formou, ingressou no mundo da voga, onde permaneceu até 2015.
Vegana e defensora dos direitos dos animais, a estagnação na curso a impulsionou a se tornar “cat sitter” (uma “baby sitter” de gatos). O novo trabalho não exigia zero de Déia, somente que ela brincasse com os bichos de estimação de uma galera rica da região dos Jardins e da Vila Novidade Conceição, em São Paulo.
Durante o tempo livre, ela já contava algumas histórias no Twitter e, por sugestão de uma amiga, decidiu usar a voz para narrar uma mensagem que tinha recebido. A primeira empreitada foi pelo Telegram. “Um dia eu tinha tomado umas cachacinhas a mais e falei: ‘Ah, vou gravar uma história’. Gravei e aí não parei mais”, conta.
Hoje um dos podcasts mais escutados do Brasil, figurando na quinta posição na plataforma de áudio Spotify, o Não Inviabilize começou com R$ 100 e uma caixa de papelão. “A Priscila, minha amiga, foi quem me incentivou a fabricar esse projeto. Pouco antes da pandemia, resolvi engatar e gravava em uma caixa de papelão com o meu celular. O marido dela sabia editar, logo peguei o único moeda que tinha e dei para ele. E foi logo que o trabalho nasceu, ele também é meu editor hoje em dia.”
O trabalho a somente quatro mãos durou dois meses —atualmente, além dela e do marido da amiga, são mais três pessoas que trabalham no podcast. “Eu recebia histórias o tempo todo, só que eu era babá de gato de pessoas ricas. Foi assim até o ano pretérito, quando sai desse trabalho. E fui chamando umas pessoas para trabalhar comigo, prestando muita atenção em uma vez que era o trabalho de uma pessoa jurídica”.
Hoje, a boa base de assinantes do podcast —murado de 30 milénio— permite que ela viva uma vida dissemelhante daquele que cresceu e consiga bancar viagens para si e para a família. “Eu não acho justo que eu gozo de alguma coisa sem que as pessoas que estão no meu entorno também aproveitem. A gente sempre esteve no mesmo patamar, que é o zero. Portanto agora que eu tenho uma vez que oferecer um pouco de cultura e conforto, por que só eu vou viver isso?”