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O bairro da Liberdade, em São Paulo, carrega um pretérito importante para a história das pessoas negras na cidade. Foi ali a primeira moradia de muitos escravizados e libertos, e também os lugares de tortura (pelourinho) e enforcamento (sim, o Brasil teve pena de morte e realização pública de negros e indígenas). Era ali que ficava também o Cemitério dos Aflitos (1775 a 1858) devotado a negros e indígenas.
Essas histórias foram apagadas sistematicamente e transformaram o vetusto bairro preto em nipónico no século 20. Mas essa narrativa tem vindo à tona e sido cobrada pelos movimentos sociais. Em 2018, foram encontradas nove ossadas numa obra ao lado da Capela dos Aflitos, única marca visível do cemitério nos dias atuais e que está localizada na Rua dos Aflitos. A construção onde estavam os esqueletos era de um meio mercantil em construção pertencente a um empresário chinês e que foi paralisada. O sítio foi desapropriado e os movimentos populares começaram a cobrar o Memorial dos Aflitos.
Os anos se passaram e em 2023, finalmente, um edital previu a construção do memorial que vai (re)descrever a presença negra e indígena no bairro. Mas nem tudo foi porquê o esperado. A empresa vencedora do concurso, o Escritório Paulistano de Arquitetura, não se limitou ao projeto do memorial e previu a devastação de segmento da Capela: do seu velário e da lojinha. A questão é que o prédio é tombado e tem estrutura independente a do porvir memorial.
Começaram ali os questionamentos da capacidade da empresa em gerenciar a obra. Numa reunião no dia 24 de maio de 2023 na Capela dos Aflitos a tensão aumentou. Os arquitetos que representavam o escritório mostraram ignorância da motivo e tiveram falas classificadas porquê racistas pelo movimento. A secretária Municipal de Cultura, Aline Torres, ficou ofendida com o não aceite da sociedade social em relação ao projeto e disse que caso o edital não fosse a frente precisaria gastar os R$ 4 milhões liberados de outra forma.
Foi o suficiente para os movimentos começarem a questionar o edital, pedindo a participação de mais pessoas negras, mais prazo, além de garantia de estrutura mínima para realização de eventos no porvir espaço, porquê anfiteatro, suplente técnica, banheiros, despensa e vestiário. Houve ainda o questionamento do uso da areia do terreno, considerada sagrada por fazer segmento de um cemitério, para concretar as paredes.
“Esse é um memorial feito pelo povo e para o povo. Não queremos que seja unicamente uma pracinha com uma cruz. Precisa servir para os nossos, ter eventos, atividades educativas e culturais”, destaca Eliz Alves, coordenadora da União dos Amigos da Capela dos Aflitos (Unamca), lembrando que o projeto está fazendo um desserviço e pedindo o convocação de um novo edital, que tenha a participação de arquitetos negros e indígenas.
Já Abilio Ferreira, coordenador universal do Instituto Tebas, lembra que o edital não deu oportunidade a pessoas negras formularem projetos para concorrer. “Favoreceu a concentração de oportunidades, porquê sempre aconteceu na sociedade”, frisa. Ele lembra ainda que a Secretaria Municipal de Cultura fechou o diálogo a partir da prova de insatisfação com o projeto.
A obra do Memorial ainda não garante outro pedido do movimento: o fechamento da Rua dos Aflitos transformando-a em calçadão e deixando de receber caminhões que carregam e descarregam mercadorias, além da retirada das luminárias japonesas que não reflete a história do povo preto do sítio. A via foi inscrita no projeto “Ruas Abertas”, que prevê seu fechamento para carros e brecha porquê espaço de lazer aos domingos, porquê já ocorre com outras regiões de São Paulo.
Desistência
Enquanto apurava esse texto nos últimos três dias, a situação foi mudando. Enquanto a Secretaria Municipal de Cultura informou, por meio de nota, que o projeto vencedor do Memorial dos Aflitos já passou por adequações, que acataram os pedidos elencados e que foi homologado, o Escritório Paulistano de Arquitetura informou em primeira mão ao Guia Preto que desistiu da proposta.
Segundo o diretor do Escritório Paulistano de Arquitetura, Eduardo Colonelli, a obra é importante para toda a cidade e uma conquista do movimento social e não daria para ser feita sem assentimento do mesmo. Ele reconhece que algumas intervenções previstas no projeto eram inadequadas, porquê a demolição parcial da capela, e que o escritório estava disposto a fazer as adequações pedidas, mas que a impossibilidade de entendimento com os movimentos motivou a desistência. “Percebemos que o processo não foi suficientemente maduro e aprendemos com isso a rever nossos procedimentos, elaboração de projetos e até constituição da equipe”, garante.
Antes da desistência do escritório, A SMC enviou nota informando que a gestão municipal ouviu e dialogou com os movimentos, entendendo a valor do Memorial para a sociedade social e realizando as modificações necessárias. “A SMC não pode interferir na elaboração do escritório vencedor, mas pode prometer que a programação do memorial e o material expositivo serão construídos partindo do diálogo com a sociedade social”, informa.
Com a desistência do Escritório Paulistano de Arquitetura, a SMC não respondeu até o fechamento desse item se haverá um novo edital ou se o segundo e terceiro colocados do vetusto concurso serão convocados. De todo esse processo fica uma prelecção: não dá para descrever a história negra, sem as pessoas negras em todas as etapas.
Que o Memorial dos Aflitos previsto para ser inaugurado em 2024 tenha mais verbas, mais atenção do poder público e possa, finalmente, descrever a história dos povos negros e indígenas do bairro da Liberdade. Essa luta é de todos nós!
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