Passei qualquer tempo matutando sobre o que grafar nesta poste. Se despejava meu mau humor contra a ditadura da alegria no Carnaval. Ou se, alternativamente, jogava para a torcida com elogios ao ziriguidum, ao balacobaco e ao telecoteco.
Em ambos o caso, estaria mentindo. Não odeio nem senhoril o Carnaval. Eu simplesmente não me encaixo.
Não sei dançar, tenho fobia de turba e aversão séria a banheiros químicos. Sou um corpo estranho no Carnaval, transpareço inadequação sempre que duelo minha própria natureza e vou pular –minto: caminhar morosamente– detrás do cordão.
O desencaixe se manifesta até na extensão que escolhi para grafar. O Carnaval é o túmulo da gastronomia.
É fácil atrelar quase qualquer ponto à cultura nutrir –pois todo mundo come, e a alimento perpassa toda atividade humana. Política, música, esporte, literatura, construção social.
No Carnaval, porém, os prazeres são outros. A gula fica trancada, de penalidade, enquanto o folião vai detrás dos demais pecados. Comida, cozinha, culinária e gastronomia não cabem no Carnaval. Ou, melhor, não cabem no Carnaval brasílio.
Estive, em São Paulo, num evento para a promoção do Mardi Gras –o Carnaval de Novidade Orleans, no sul dos Estados Unidos.
A sarau, porquê se fosse um natalício, tinha bolo. Uma rosca típica carnavalesca, de açúcar e canela, com confeitos coloridos.
Era boa? Sei lá. Evidente que não comi. Onde já se viu manducar bolo no Carnaval?
É evidente que as pessoas precisam se nutrir também no Carnaval. Sucede que o ato de manducar se despe de qualquer conotação sensual, vira mera premência fisiológica.
Meio porque se está ocupado com outros prazeres, meio porque é um perrengue se nutrir na bagunça instalada.
Os antigos preconizavam a canja para repor a pujança gasta no Carnaval, mas raramente há uma sopinha de avó à espera do folião estropiado.
Depois de passar o dia todo sem lembrar de se nutrir, o carnavalesco traça o que está ao seu alcance. O pão de batata murcho do Oxxo. O último quibe da estufa do mais suspeito boteco. Pão amanhecido com banana e glitter na cozinha de qualquer ignoto.
Quem se rebela contra a sarau não tem sorte melhor. Os restaurantes aproveitam para dar folga aos funcionários. E os que abrem são fisicamente inatingíveis.
Leva alguns episódios de encalacramento, entre um conjunto e outro, até o ser humano aprender que é uma péssima teoria tirar o sege da garagem no Carnaval. Trespassar para manducar, só se for a pé, no sujinho da esquina, onde o chapeiro foi trabalhar virado depois do desfile do Sambódromo.
Consumir em morada é uma saída resignada para quem foge dos tambores. Cozinhar é meio que um protesto tolo contra o estado das coisas. Amizade, o mundo está pouco se lixando para o seu jantar. É Carnaval. Ninguém quer saber.
A boca, no Carnaval, serve para beijar, tomar e trovar. Na ordem ou desordem que você muito entender.
(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram e do Twitter.)
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.