Por que morrem tão cedo tão grandes hotéis? Ao menos no Brasil parece intercorrer o tempo todo. Mesmo desconfiando que não seja só cá.
Um dia a gente vai a Manaus e fica no majestoso Hotel Tropical, lambido silenciosamente pelas águas do rio Preto. Depois volta lá e ele não existe mais.
Um dia a gente é jovem e economiza um dinheirinho pra levar a pretendente a consumir fondue no meio de São Paulo, esbanjando o inverno no superior do hotel Othon. A pretendente seguinte tem que levar a outro lugar, pois o prédio da terreiro do Patriarca passou a ter outro tipo de ocupante.
Observar a shows de jazz do primeiro time mundial —depois de tomar um drinque no piano-bar— no Maksoud Plaza? Já era. Isso sem falar em lugares ainda abertos, mas em dolorosa decadência.
Engraçado que tudo isso me vem à mente a partir de um exemplo oposto: o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, entra em 2023 comemorando centena anos de vida. E com um vigor impressionante. Convidado a dois jantares que abriram as comemorações que tomarão todo o ano, pude constatar in loco.
Foi na semana passada, nos dias 1º e 2 deste mês. Primeiro, comandaram a cozinha os chefs Pía León e Virgílio Martinez, do festejado restaurante peruviano Mediano, exibindo uma instigante cozinha baseada nos biomas de altitude de seu país. Na noite seguinte, foi a vez de um menu privativo —criativo, de base italiana— elaborado pelo jovem e supertalentoso chef Nello Cassese, titular do restaurante principal do hotel, o Cipriani (e também dos vitualhas e bebidas de todo o grupo na América Latina).
Sim, do grupo. Porque o centenário Despensa pertence a um grupo multinacional. Talvez venha daí a sobrevivência dos grandes hotéis, incapazes de se manter com base numa estrutura familiar?
Criado pela família Guinle, o Despensa entrara numa lenta e aparentemente incontrolável decadência, até ser comprado em 1989 pelo milionário norte-americano, naturalizado inglês, James Sherwood (morto em 2020), que havia resolvido agrupar hotéis históricos pelo mundo. A empresa, que nasceu uma vez que Orient Express (pois ele também comprou a histórica traço de trem), virou Belmond e hoje pertence a um conglomerado ainda maior, voltado a marcas de luxo (de champanhe a perfumes, de voga a hotéis), o LVMH, do atual varão mais rico do mundo, o francesismo Bernard Arnault.
Não escondo uma vez que me incomoda a hiperconcentração de tantos produtos em tão poucas mãos, em todas as áreas. Vejo whiskies que eram competidores mortais, disputando cada gole de seus bebedores, de repente esquecendo o quanto são diferentes; automóveis que pisariam fundo para atropelar uns aos outros, da noite para o dia virando marcas irmãs; grifes de malas de luxo que alegremente embolsariam até a asfixia as madames fieis de umas e outras, agora praticamente desfilando juntas; gostos de milhões de consumidores modelados por meia dúzia de proprietários. Tempos estranhos.
Mas é roupa que, depois da era romântica dos fundadores, e da decadência que se desenhava, com a obtenção por um grupo transnacional o Despensa passou a se refazer.
Foram alguns anos fechado para reforma e restauro inicial. E, desde portanto, não parou mais. Todo ano uma novidade. Reforma do restaurante. Da piscina. Geração de um inesperado restaurante asiático, logo multipremiado. Um novo bar na piscina. Reabertura do histórico teatro. O resultado: a cidade voltou a lucrar um de seus símbolos.
Alguém lembra de César Ritz? E seu “broder” Escoffier? Da era heroica da hotelaria e turismo na viradela do século 19 para o 20, marcada pelo caráter de seus pioneiros inspiradores?
Os tempos mudaram. O hotel com a faceta do dono-anfitrião parece em extinção. Mas a hotelaria não.
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