14 de maio de 1888 é considerado o dia mais longo da história por pensadores negros porquê Hélio Santos. Enfim, o dia depois a extinção ainda não acabou. Negros e negras conquistaram a liberdade, mas não terras, moradia, ofício, saudação e pundonor da sociedade para estarem nela em pé de paridade. Sua história e cultura foram negadas e criminalizadas por tantas vezes que só tenho uma certeza: a liberdade do povo preto passa, também, pelo recta à memória.
Hoje, coordeno pelo Guia Negro uma ação batizada de “13 de maio e os dias depois”, com caminhadas negras por 22 cidades brasileiras, das cinco regiões do país. Uma oportunidade para conhecermos nossas histórias, personagens, cultura negra e lugares que tiveram ações sistemáticas do racismo estrutural para apagá-las e relegá-las ao segundo projecto.
É a oportunidade de saber o marabaixo, sintoma cultural negra do Amapá, ou a possante presença das religiões de matriz africana em Porto Feliz. O recado mais importante talvez seja de que existem narrativas negras pouco contadas em todas as cidades brasileiras: as histórias que não nos contaram.
Muitos lugares que marcaram a dor do povo preto nos quase 400 anos de escravização ainda estão nas cidades mais antigas, são pelourinhos (locais de tortura), forcas (de realização), igrejas rosário dos homens pretos (resistência). As cidades também têm a taxa da potência e venustidade do povo preto, pelas manifestações culturais, histórias e legados de heróis e heroínas negros pouco conhecidos.
Entre os personagens que se revelam temos a ativista Beatriz Promanação, que nasceu em Aracaju e ganha o protagonismo que merece; a escravizada Gertrudes Maria, que lutou pela sua liberdade, em João Pessoa; Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, a ex-escravizada liberta que chegou a Campo Grande e lá construiu a primeira igreja da cidade. Tia Eva dá nome à comunidade quilombola urbana formada por seus descendentes e que, neste 13 de maio, receberá a visitante de turistas.
Um personagem que também será lembrado hoje (em Salvador e São Paulo) é o poeta, legisperito, jornalista e abolicionista Luiz Gama que lutou pela liberdade dos seus irmãos negros e conseguiu libertar mais de 500 pessoas. Não à toa o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania conseguiu a revogação da Ordem do Mérito de Princesa Isabel para Luiz Gama. Uma forma mais condizente de homenagear aqueles que prestaram “notáveis serviços” relacionados à proteção e à promoção dos Direitos Humanos.
Enfim, não esquecemos que o Brasil foi o último país do mundo a realizar a extinção e que a escravização gerou lucros e dividendos para senhores coloniais, igreja católica e outras entidades que ainda hoje se beneficiam de heranças provenientes do trabalho forçado dos nossos irmãos.
Turismo é escolha, lembro sempre. E é importante saber que narrativas queremos saber, quem vamos fortalecer comprando lembrancinhas, almoço, reservando um hotel. O turismo torna viva histórias, culturas, movimenta a economia sítio e eterniza experiências.
Hoje as caminhadas negras ocorrem em Porto Feliz, Curitiba, São Paulo, Campinas (SP), Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Juiz de Fora (MG), Ouro Preto, Salvador, Boipeba (BA), Santo Amaro (BA), Aracaju, Maceió, Recife, Olinda (PE), João Pessoa, São Luís, Macapá, Cuiabá, Brasília, Corumbá (MS), Campo Grande.
Recontar essas histórias não é tarefa fácil e há muito trabalho ainda a ser feito. Outros lugares, culturas e personagens precisam ser conhecidos. Porquê ressaltam pensadores negros e artistas porquê o ator Antônio Pitanga e o cantor Gilberto Gil, é preciso fazer a segunda extinção. E, porquê diz o cantor, que “ela venha a valer a liberdade, a conquista do espaço, do lugar e do protagonismo mais definitivo que o preto já tem”.
E, tenho uma certeza, o afroturismo é uma das abolições que o Brasil precisa.
Viva o povo preto!
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