Deu no New York Times e, depois, traduzido na Folha: “Ozempic tem potencial para tratar alcoolismo, doença cardíaca e apneia do sono, sugerem pesquisadores”.
Caso se demonstre verdadeiro o que sugerem os pesquisadores, trata-se de um medicamento capaz de operar várias coisas boas –quase todas decorrentes da sensação de saciedade que também leva à perda de peso.
Para quem passou o último ano em Marte: Ozempic (nome mercantil da semaglutida) é um remédio injetável desenvolvido para a diabetes tipo 2, mas que se mostrou formidável no combate à obesidade.
A explosão do uso off-label da semaglutida foi tão estrondosa que puxou o prolongamento da economia da Dinamarca, onde está a sede do laboratório Novo Nordisk.
E cada reportagem que destaca os benefícios do medicamento suscita uma torrente de comentários críticos. Acusa-se a prelo de veicular publicidade velada e/ou ser títere do lobby da indústria farmacêutica.
Concordo que alguns textos pendem demais para o lado florido da coisa, mas não vou me encompridar na discussão. Para isso existe ombudsman.
Outro viés crítico apresenta-se uma vez que preocupação social e sanitária. Sob esses paramentos, porém, revela-se uma cruzada moralista contra o emagrecimento fácil.
Resumidamente: condena-se o Ozempic e seus sucedâneos por oferecerem um senda que dispensa a reeducação fomentar e o engajamento na prática de atividades físicas.
Em palavras mais ríspidas, proferidas a rodo nos comentários das redes sociais, diz-se que a única maneira legítima de consertar um gordo é obrigá-lo a deixar de ser guloso, glutão, autocomplacente, sedentário e preguiçoso.
Há de se fechar a boca para as pizzas e os hambúrgueres. Há de se frequentar a liceu todas as manhãs, pois Deus só ajuda quem cedo madruga.
Já vimos o mesmo filme com outros medicamentos revolucionários –estamos unicamente no início da prenhez das mudanças sociais que a novidade geração de drogas antiobesidade vai desencadear.
O Viagra e outros levanta-defuntos, por exemplo. Quando surgiram, discutia-se sem ironia se era mesmo relevante que homens mais velhos pudessem ter uma vida sexual ativa.
Antes disso, a pílula anticoncepcional causou muito mais gritaria porque dizia saudação à vida sexual das mulheres. Quer evitar filhos? Feche essas pernas, moça!
O caso do Ozempic é um novo afloramento da milenar sentinela moral cristã, que só dá valor às conquistas obtidas na trilha da virtude –com desinteresse, repúdio, penitência e esforço descomunal.
Se o gordo emagrece sem sofrimento, o que virá em seguida? Só falta o pobre lucrar uma vida decente sem morrer de tanto trabalhar!
Estamos diante de alguma coisa ainda pouco sabido, mas que já se revelou colossal. Precisamos evitar o esplendor, vacilar da propaganda e seguir criticamente cada novo estudo publicado.
A revolução dos ex-gordos (e possivelmente a contrarrevolução dos ex-ex-gordos, já os há aos montes) exige um debate sério e sóbrio. Não pode ser contaminado pelo moralismo leviano de futriqueira de porta da igreja.
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