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Flicts, de Ziraldo, ganha exposição em muro de Portugal – 18/10/2023 – Era Outra Vez

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É num recinto desvelado diante do Aqueduto da Usseira, que desde o século 16 emoldura o horizonte com seus arcos de pedra, que dezenas de ônibus desligam os motores todos os dias. De cada um deles, desembarcam dezenas de turistas ansiosos, prontos para saber, desbravar e sobretudo fotografar a vila medieval de Óbidos, em Portugal.

Por estar sobre uma hora de Lisboa e ter um fortaleza muito muito preservado, as muralhas ainda de pé e um labirinto de ruazinhas perdidas no tempo, a cidade entrou de vez na rota turística do país —o que ajuda a explicar o fluxo incessante de alemães, japoneses, franceses, espanhóis, italianos, chineses, poloneses, brasileiros e gente do mundo inteiro que rapidamente se espalha pelas vias de pedra.

Mas desde a semana passada há uma diferença nesse caminho entre o estacionamento e a espaço histórica. Há mais um motivo para disparar flashes e posar para selfies. À esquerda de quem se dirige à vila, no muro pintado de branco e azul, muito em frente ao Museu Paroquial de Óbidos, está exposto um traço que é inconfundível para qualquer brasílico. Lá está Ziraldo. É a arte do repórter, ilustrador, cartunista, pai do Menino Maluquinho e jornalista mineiro que dá as boas-vindas aos visitantes.

Ao todo, 40 painéis estão dispostos lado a lado na parede, nos quais pode ser vista de cabo a rabo, da primeira à última página, na ordem exata da narrativa, a íntegra de “Flicts”. É porquê se o clássico da literatura infantil brasileira escapasse do livro, fosse contra as amarras do objeto e invadisse a paisagem portuguesa.

A exposição faz secção do Folio, o Festival Literário Internacional de Óbidos, que teve início no dia 12 e vai até domingo, dia 22. Além do evento, que tem ares de uma Flip lusitana, também organizam a mostra a embaixada brasileira, o Instituto Guimarães Rosa e o Instituto Ziraldo. O título, que no Brasil é publicado pela Melhoramentos, acaba de ser lançado em Portugal pela Tinta-da-China.

Mas, ao se espalhar pelos muros e ignorar as fronteiras do livro, “Flicts” ganha novas leitura e significados. Ao entrar em contato com as ruas, deixa de ser somente literatura e cruza as fronteiras das artes plásticas, da mediação urbana, do edital político e da notícia direta.

Um exemplo é quando Flicts, uma cor desprezada e tristonha, decide viajar o mundo e saber novos lugares. Ao visitar “os países mais bonitos”, Ziraldo opta por ilustrar essa página específica com a bandeira do Brasil. Longe das livrarias e das bibliotecas, o trecho ganha outras reverberações.

“E o Brasil por eventualidade é o país mais bonito? Só eles existem?”, questionam duas jovens portuguesas ao passar em frente ao tela. Nem cinco minutos depois, um grupo de brasileiros se amontoa diante do mesmo edital, abre um sorriso, concorda com a frase e faz uma selfie.

O que talvez eles não saibam é que, em 1969, quando a obra foi lançada, essa mesma página trazia originalmente a bandeira do Reino Unido. Naquela quadra, o Brasil vivia sob os coturnos da ditadura militar, regime que, no ano anterior, havia decretado o AI-5, aumentado a repressão, minguado ainda mais as liberdades e fechado o Congresso.

“Naquela quadra, 1969, a bandeira não me pertencia. Ninguém podia amar a bandeira do Brasil […]. Tínhamos que respeitá-la. Só que aqueles que queriam que nós a respeitássemos confundiam saudação com pânico. E aí, nós tínhamos pânico da bandeira do Brasil”, escreveu Ziraldo décadas depois.

O símbolo vernáculo só foi eclodir em “Flicts” nas edições publicadas a partir dos anos 1980. É esse o doloroso contexto histórico e político que está impresso silenciosamente nos muros de Óbidos. De alguma forma, esse tecido de fundo também está presente nas paixões das garotas portuguesas e nas reações do grupo de brasileiros.

O mesmo ocorre com os outros painéis da mostra, mesmo que em diferentes níveis. Alguns visitantes leem a história e logo seguem o passeio. Outros não leem zero, mas tiram fotos e publicam as imagens nas redes sociais. E há ainda os que espiam as páginas só de quina de olho, apressados. Mas ninguém ignora a exposição. É impossível não notar os 40 cartazes com cores vibrantes e traços de Ziraldo.

Isso também acaba alterando significado do livro. No texto, Flicts até se afirma frágil, mal-parecido, angustiado e solitário. Mas ali, escancarado no muro, à vista de todos, exposto ao sol, molhado pela chuva, diante da poeira dos ônibus, próximo a castelos e muralhas, sob os olhares dos turistas, ele não pode mais expor que vive sozinho. Já não existe mais a “sua branca solidão”.


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