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A rota indígena que conecta o Atlântico ao Pacífico – 14/04/2023 – Turismo

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Goiabas e carambolas maduras no soalho ficam presas às solas das minhas botas, formando uma volume guloseima em levedação enquanto passeio pela pacata cidade de Peabiru, com seus 13 milénio habitantes, a 500 km de Curitiba.

Eu havia viajado até o estado do Paraná, não muito longe da fronteira com o Paraguai, em procura dos sobras do Caminho de Peabiru —uma rede de trilhas com 4 milénio quilômetros de extensão, que liga o Oceano Atlântico ao Pacífico, construída ao longo de milênios pelos povos indígenas sul-americanos.

O Caminho de Peabiru era uma rota místico para o povo guarani em procura de um paraíso mitológico. E também se tornou o caminho em direção aos tesouros do continente quando chegaram os colonizadores europeus em procura de acessos ao interno da América do Sul.

Mas a maior segmento do caminho original desapareceu, consumido pela natureza ou transformado em rodovias ao longo dos séculos. Somente nos últimos anos, essa fascinante rota começou a revelar seus mistérios para o público, graças ao desenvolvimento de novos passeios turísticos.

É fácil compreender por que essa trilha transcontinental cativa a imaginação das pessoas com tanta facilidade —uma fascinação que vem desde o primeiro europeu sabido por caminhar por toda a sua extensão: o navegador português Aleixo Garcia.

Garcia naufragou no litoral de Santa Catarina no ano de 1516, depois do fracasso de uma missão espanhola que pretendia velejar pelo Rio da Prata. Ele e meia dúzia de outros navegadores foram acolhidos pelos receptivos indígenas guaranis.

Oito anos mais tarde, depois de ouvir as histórias sobre um caminho que levava até um poderio nas montanhas, rico em ouro e prata, Garcia viajou com 2 milénio guerreiros guaranis até os Andes, sobre 3 milénio quilômetros de intervalo.

A pesquisadora brasileira Rosana Bond, no livro “A Saga de Aleixo Garcia: o Inventor do Predomínio Inca”, afirma que Garcia foi o primeiro europeu sabido a visitar o poderio inca em 1524 —murado de uma dez antes da chegada do conquistador espanhol Francisco Pizarro, amplamente sabido porquê “inventor” do povo originário dos Andes peruanos.

As trilhas que vinham do Brasil conectavam-se à rede de estradas incas e pré-incas através dos Andes, que hoje recebem muitos visitantes, mas o Caminho de Peabiru propriamente dito deixou poucos vestígios.

Essa falta de evidências físicas não só levou a teorias divergentes nos círculos acadêmicos sobre quem o criou e quando, mas também gerou amplas especulações sobre sua provável geração pelos vikings ou pelos sumérios —ou mesmo pelo evangelizador Tomé, supostamente vindo de uma missão evangelizadora na Índia.


Algumas teorias afirmam que a trilha data de murado de 400 ou 500 d.C., enquanto outras sugerem que ela remonta até 10 milénio anos detrás, aos caçadores-coletores paleoindígenas.

“O Caminho de Peabiru foi a estrada transcontinental mais importante da América pré-colombiana, que ligava os povos, os territórios e os oceanos”, afirma a arqueóloga Cláudia Inês Parellada, que publicou diversos estudos sobre o ponto e coordena o Departamento de Arqueologia do Museu Paranaense, em Curitiba, onde estão abrigados muitos dos achados das escavações arqueológicas da trilha.

As teorias divergem não unicamente sobre a era da sua geração, mas também o lugar exato por onde a rota passava. “Sempre teremos várias hipóteses”, explica Parellada. “É difícil ter certeza sobre o caminho completo porque ele mudou ao longo do tempo.”

Mas o nome e a mito, pelo menos, seguem vivos na cidade de Peabiru, construída na dez de 1940, onde o governo lugar e grupos de voluntários criaram e demarcaram recentemente trilhas de jornada inspiradas pelo Caminho de Peabiru.

Elas são segmento de um projecto turístico ávido do Paraná lançado em 2022, de mapear um provável trecho do Caminho com até 1.550 quilômetros para ciclismo e jornada, atravessando o Estado desde o litoral e passando por 86 municípios, até a fronteira com o Paraguai.

Eu viajei até Peabiru para saber pelo menos um desses caminhos: uma trilha entre a floresta que inclui sete cachoeiras ao longo do curso de um dos rios da região. As margens do rio quase certamente fizeram segmento do Caminho, segundo informou meu guia Arléto Rocha enquanto caminhávamos, passando sobre e inferior de árvores caídas e depois com as águas frias do rio até os joelhos, tirando as frutas estragadas da sola das minhas botas.

Não contente em ter molhado unicamente as botas, Rocha mergulhou com roupas em uma das cachoeiras. Depois, ele indicou locais onde havia encontrado pontas de flechas, argamassa, gravações em pedras e outras joias arqueológicas na última dez, que agora estão em exibição no recém-inaugurado Museu Municipal “Caminhos de Peabiru”.

A maior segmento da jornada na floresta, porquê o restante do caminho ao longo do Paraná, é simbólica —a melhor estimativa provável de onde poderá ter ficado a trilha original, apesar da certeza em alguns trechos, mormente onde existem mapas históricos e sítios arqueológicos.

Esta região do sul do Brasil é um lugar de escavações arqueológicas desde os anos 1970, em procura de sobras do Caminho de Peabiru. Da mesma forma, ali também havia densa população indígena (estima-se um pico de murado de 2 milhões de pessoas, principalmente guaranis, no século 16).

Uma vez que muitos outros com quem falei, Rocha é fascinado pelo mistério da trilha e chegou a elaborar sua dissertação de mestrado sobre o ponto. Historiadores, astrônomos e arqueólogos também vêm se ocupando desse quebra-cabeça há décadas, reunindo mapas antigos, registros coloniais e histórias orais para tentar entender as origens e o propósito do caminho.

O consenso é que o caminho principal da rede conectava o litoral leste e oeste da América do Sul. Dos seus pontos de partida no litoral brasílio (onde hoje ficam os Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina), as trilhas se reuniam no Paraná, prosseguindo através do território que hoje forma o Paraguai até a região de Potosí, na Bolívia, que era rica em prata.

Ao chegar ao lago Titicaca (hoje, fronteira entre a Bolívia e o Peru), o caminho seguia até Cusco —a capital do império inca— e, de lá, descia até o litoral peruviano e o setentrião do Chile.

“Grosso modo, pode-se expor que o roteiro ‘longo’ do Peabiru era aquele que acompanhava o movimento aparente do Sol, nascente-poente”, segundo Bond, na série literária “História do Caminho de Peabiru”, publicada em 2021.

Nessa série, a autora analisa diversas hipóteses plausíveis sobre as origens da trilha e conclui que a rede de caminhos provavelmente foi criada e usada por diversos grupos indígenas ao longo dos séculos, mas sua particularidade principal era o libido de conectar o Atlântico ao Pacífico.

“Ou seja, não importa quantos e quais povos construíram os trechos, pois o relevante seria que a estrada, num patente momento, passou a ser vista porquê um caminho homogêneo e específico, que representava na terreno o ‘caminhar’ do Sol no firmamento”, segundo ela.

Entre os povos a que Bond se refere, encontram-se os guaranis, uma das maiores populações nativas remanescentes na América do Sul. Eles vivem em segmento do Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia.

O Caminho de Peabiru é uma rota física e místico na cultura guarani, que leva a um paraíso mitológico chamado por eles de Yvy MarãEy, que fica além da chuva (o Oceano Atlântico), onde nasce o Sol.

Esse paraíso (“a terreno sem mal”, em tradução livre) é mencionado na tradição vocal dos guaranis, nos seus rituais, música, dança, simbologia e em nomes de lugares. As lendas guaranis chegam a expor que a rede de caminhos é um revérbero da Via Láctea na Terreno.

Também se acredita que o nome da trilha venha da vocábulo guarani peabeyú, que significa “caminho de grama pisada”, entre outras traduções.

Mas, para os colonizadores europeus (porquê o navegador português Aleixo Garcia), o caminho místico dos guaranis para o paraíso tornou-se uma via rápida até as riquezas dos incas nas expedições pelo Novo Mundo, que acabaram por suscitar a morte em massa das populações indígenas da América do Sul pela guerra, pela miséria e, principalmente, pelas doenças.

As lendas sobre o Eldorado e a Serra da Prata trouxeram frotas de navios espanhóis e portugueses através do Atlântico e alguns grupos indígenas os ajudaram a penetrar no interno do continente, através do Caminho de Peabiru, segundo Parellada.

“Saber as rotas e trilhas principais através das populações nativas tornou-se uma vantagem estratégica, que amplificou o saque, a ruína e a cobiça de novos territórios e riquezas minerais”, explica ela.

Ao longo dos séculos seguintes, sucessivas ondas de exploradores, catequizadores jesuítas, bandeirantes, comerciantes e colonizadores também fizeram uso do Caminho de Peabiru para ter entrada ao interno do continente —pavimentando, ampliando e, às vezes, alterando o curso do caminho.

“Os primeiros registros escritos sobre a trilha datam dos séculos 16 e 17”, segundo Parellada. “Eles incluem o relato de Ruy Díaz de Guzmán em 1612, sobre a morte de Garcia nas mãos do grupo étnico Payaguás durante seu retorno do Peru para o litoral [brasileiro].”

Para continuar minha pesquisa sobre os vestígios da trilha, viajei para o litoral de Santa Catarina, até a Enseada do Brito, no município de Palhoça —uma baía tranquila onde os historiadores acreditam que Garcia teria morado e dali partido em sua missão até o poderio inca. Levante é o ponto de partida de outra jornada inspirada pelo Caminho de Peabiru —um trajeto de 25 quilômetros que passa por praias, dunas de areia no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e uma visitante a duas aldeias guaranis.

Durante o aquecimento para a jornada, tento imaginar Garcia e seu grupo de náufragos barbudos, a milhares de quilômetros de vivenda, e suas novas acomodações com os guaranis depois de perderem seu navio.

Uma vez que na jornada anterior, a trilha é unicamente uma estimativa do lugar onde poderá ter pretérito o Caminho de Peabiru. Ele foi definido com a pesquisa do empresário lugar Flávio Santos, que desenvolveu esse projeto de turismo depois de estudar a história da trilha e os sítios arqueológicos locais.

Uma vez que muitos outros, ele vê o potencial de atrair turistas o ano inteiro, beneficiando a comunidade lugar, incluindo as aldeias guaranis próximas, se tudo for feito corretamente.

“Temos esta trilha antiga, logo, por que não conectar a história e os povos indígenas locais?”, questiona Santos. “É importante que os moradores locais conheçam essa história e saibam porquê os povos indígenas viviam e porquê foram dizimados.”

Parellada concorda: “Um passeio pelo Caminho de Peabiru, coligado a atividades educativas, poderá ser uma ponte para a compreensão totalidade do pretérito colonial da América do Sul, sua biodiversidade e o conhecimento dos povos indígenas”.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.


Texto publicado originalmente em aqui

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